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quinta-feira, 15 de maio de 2014

Subsídio do governo ao trabalho em tempo parcial.

Como noticiado pela imprensa, o governo está preparando uma medida provisória a ser enviada ao Congresso Nacional que prevê a implantação de um sistema de subsídios para trabalho em tempo parcial (TTP) a empresas que comprovem estar passando por dificuldades financeiras. De acordo com o mecanismo proposto, os trabalhadores teriam uma redução de suas jornadas de trabalho, as firmas pagariam apenas a parte dos salários das horas efetivamente trabalhadas e o governo pagaria uma fração dos salários referentes às horas reduzidas.

Programas de TTP existem há décadas em diversos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tendo sido elemento importante no conjunto de medidas adotadas em vários países para minimizar os efeitos da Grande Recessão. Em particular, foram usados em larga escala na Bélgica, Alemanha, Itália e Japão, sendo apontados nesses países como importantes fatores para aliviar os impactos sociais da recente crise. Nos últimos anos, foram implementados na Holanda, Hungria, México, Nova Zelândia, Polônia e República Checa.

A lógica do programa é que uma redução da jornada média dos trabalhadores em épocas de crise pode ser mais eficiente e justa do que o recurso da demissão em massa. O argumento é que o programa permite a preservação do emprego, uma vez que os trabalhadores continuam trabalhando na mesma firma, só que em tempo parcial. Isso evita a perda de capital humano específico e de relações de trabalho dentro da empresa cuja reposição no período de recuperação pode ser muito custosa.

Esse mecanismo é complementar a outros programas que compõem os sistemas nacionais de emprego em vários países, tendo a vantagem de diminuir a pressão de gastos sociais com os trabalhadores que seriam demitidos na sua ausência. Menos trabalhadores usariam, por exemplo, o próprio sistema de seguro-desemprego. Na verdade, o programa é uma espécie de seguro-desemprego parcial, uma vez que o trabalhador recebe do governo apenas o valor referente à redução das horas trabalhadas. Tem objetivo semelhante, portanto, ao programa de suspensão temporária do contrato de trabalho, instituído no país em 1998 e usado em larga escala na recessão de 2009.

No entanto, talvez pelo açodamento em preparar a medida com a intenção de anunciá-la por ocasião do Dia Nacional do Trabalho, o governo não tenha analisado a questão com o devido cuidado.
Como é comum em propostas de políticas públicas bem intencionadas, o diabo mora nos detalhes. No caso dos subsídios ao TTP, a literatura mostra que os parâmetros do programa devem ser bem desenhados de forma a evitar incentivos para que firmas e trabalhadores tentem burlar o sistema. A maior preocupação é a de evitar que o mecanismo se torne um subsídio quase permanente e impeça o necessário ajuste estrutural de eliminação de postos de trabalho que eventualmente deixem de ser competitivos. Firmas e trabalhadores só deveriam fazer uso do sistema em situações efetivas de crise e por pouco tempo. De preferência, com critérios objetivos e horizontais de elegibilidade. Devem-se evitar também taxas de reposição próximas a 100%, ou seja, o montante recebido pelos trabalhadores durante o período de implementação do programa na empresa deve ser inferior ao salário recebido antes da crise.

Mas o que mais preocupa é a falta de uma definição clara da fonte de recursos para financiar o programa. Fala-se em usar os recursos excedentes do FGTS resultantes da recente prorrogação da cobrança da parte da multa sobre os saldos do FGTS (10%) que vai para o governo no caso das demissões sem justa causa. O uso de recursos do FGTS é indesejável, até porque tais recursos excedentes podem fazer falta no cenário de aprovação por parte do STF dos processos que pedem correção dos saldos do FGTS com base na inflação.
O mais correto seria tornar o programa parte integrante do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O mecanismo é complementar ao sistema de seguro-desemprego e, portanto, se encaixa perfeitamente no FAT. O problema é que o FAT está com um déficit crescente, que atingiu R$ 10,4 bilhões em 2013. Houve um enorme crescimento dos gastos com os programas de seguro-desemprego e abono salarial que chegaram em 2013 a R$ 31,9 bilhões e R$ 14,7 bilhões, respectivamente.

Isso é em grande parte resultado da alta taxa de rotatividade do mercado de trabalho brasileiro, que chegou ao espantoso nível de 64% em 2012, de acordo com os dados da Rais (Ministério do Trabalho). Ou seja, 64% dos trabalhadores empregados em 31 de dezembro de 2011 foram desligados de seus postos de trabalho ao longo de 2012! Números do Caged sugerem resultado semelhante em 2013. A taxa de rotatividade no Brasil é há décadas a mais alta do mundo, mas agora atingiu níveis absurdos.

Preocupado com essa questão, o governo tem procurado combater fraudes e tornado mais difícil o acesso ao seguro-desemprego, mas com pouco sucesso. Na verdade, mudanças institucionais mais amplas que aumentem os incentivos para que tanto trabalhadores quanto empresas prefiram relações de trabalho mais longas são urgentes. Não apenas para tornar o FAT viável, mas também para reduzir a rotatividade do trabalho que gera altos custos para as empresas e baixo crescimento de produtividade. Tais mudanças poderiam gerar a folga de caixa necessária para a implementação do subsídio ao trabalho em tempo parcial. Em caso contrário, o programa não deveria ser adotado.

Em suma, a ideia do subsídio ao trabalho em tempo parcial é potencialmente boa e pode contribuir para o aperfeiçoamento do sistema nacional de emprego no Brasil. No entanto, só faz sentido como um programa financiado pelo FAT e que dialogue de forma harmônica com os outros programas do FAT.
Mas para isso é necessário um alto nível de reflexão, de preferência no âmbito de um debate que privilegie evidências ancoradas em pesquisas sérias. Vamos torcer para que o calendário eleitoral não prejudique tal discussão. Mas talvez isso seja otimista demais.

Gustavo Gonzaga, Ph.D. em economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley, EUA, é professor associado do departamento de Economia da PUC-Rio.

Fonte: Valor Econômico, por Gustavo Gonzaga, 15.05.2014

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