Bons ventos sopram em direção à flexibilização da legislação trabalhista, caso seja aprovado o Acordo Coletivo Especial (ACE). Trata-se de instrumento jurídico negocial, idealizado pelos metalúrgicos da região do ABC, que o governo está cogitando em adotar como modelo. Tem, esse acordo, limitações, mas, caso colocado em prática, será um bom início para um longo processo de mudanças nas relações entre empregados e empregadores.
O Acordo Coletivo Especial irá permitir a negociação direta da empresa com o sindicato nas questões que afetam o cotidiano empresarial. Hoje existem várias situações relativas ao trabalho que poderiam ser melhoradas, elevando a produtividade e a competitividade, mas elas não podem ser alteradas devido à rigidez e à desatualização da nossa legislação, fundada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Aliás, rigidez é o que não falta na CLT. Um exemplo simples: a empresa é obrigada a conceder uma hora de almoço aos seus profissionais. Caso os funcionários e a companhia avaliem que 45 minutos são suficientes e que, com os 15 minutos abolidos, poderiam terminar o expediente mais cedo, esta regra não poderia ser aplicada na empresa. Mesmo com o aval do sindicato, ela estaria sujeita à multa.
Outro exemplo de engessamento trabalhista: caso uma empresa, com a melhor das intenções, em momento de bonança econômica, resolva pagar bônus por produtividade a alguns de seus funcionários, ela corre risco.
Dependendo da frequência com que foi concedido o bônus, ele poderá ser incorporado à política de remuneração pelo princípio da habitualidade, passando a ter de existir também em épocas de dificuldades econômicas. Isso pode acontecer mesmo tendo o sindicato firmado acordo para não incidir o princípio da habitualidade.
Mas, além de rígida, a nossa legislação trabalhista também é desatualizada, contrariando princípios modernos de gestão. A empresa, por exemplo, que elaborar com os seus funcionários e até mesmo com o sindicato um plano de carreira que contemple, na sua essência, apenas a meritocracia, corre risco de ser multada. A CLT estabelece que, além da meritocracia, o tempo de serviço do empregado deve ser levado em conta para o plano ser reconhecido por lei.
O fato é que, com o Acordo Coletivo Especial, essas situações acima citadas e mais uma infinidade de outras que compreendem o dia a dia da vida empresarial serão resolvidas diretamente entre a empresa e o sindicato, levando em consideração a viabilidade econômica da companhia, suas especificidades, a região em que ela está instalada e o momento em que vive em termos de mercado.
Porém, esse modelo de acordo é apenas um início para a introdução do sistema negocial no País. Essa flexibilização, da forma como está sendo proposta, é limitada. Possui todo o mérito, mas, por enquanto, atingirá somente algumas das empresas do País.
O Acordo Coletivo Especial só será permitido no caso de empresas que tenham um quadro de empregados com mais de 50% de sindicalizados. Cumpre lembrar que a porcentagem de profissionais que são sócios dos sindicatos, hoje, no Brasil, é de 18%.
A nossa estrutura sindical não estimula a sindicalização. Portanto, caso esse novo modelo negocial seja aprovado e se ficarmos só com ele, a maioria das empresas, ainda por um longo tempo, estará vivendo sob os moldes do velho sistema estatutário, fundado nas rígidas e desatualizadas regras da CLT. É por esse motivo que insisto na tese de que outras reformas, como a sindical, também devem ocorrer, para termos a flexibilização.
Para que o princípio de que o negociado entre patrões e empregados prevaleça sobre a lei, é preciso ter agentes e instrumentos modernos de negociação. Hoje, como bom exemplo, há a experiência dos metalúrgicos do ABC. Mas ela representa uma pequena parte da realidade do País. Por isso, ainda há um longo caminho a percorrer para se conseguir a tão almejada flexibilização da legislação trabalhista brasileira.
(*) é Professor de Recursos Humanos, Relações Trabalhistas da FGV-SP.
Fonte: O Estado de São Paulo, por Sérgio Amad Costa (*), 02.08.2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário